A Bíblia como revelação de Deus .
Escrito por H. Henry Meeter
Deus possui outro livro além da criação: a Bíblia. No princípio existia
somente um livro, uma só revelação de Deus: a natureza. E no mundo
vindouro de novo não haverá mais do que um livro: a nova natureza, na
qual o homem verá a Deus e a sua vontade revelada. Os redimidos na
eternidade, do mesmo que Adão, terão clara revelação da vontade de Deus
em seus corações e da natureza que os cerca, e não terão,
consequentemente, nenhuma necessidade de uma revelação especial como é a
Bíblia.
Há um fato que explica o motivo da necessidade deste segundo livro: a
Bíblia, ou revelação especial de Deus; este livro foi necessário por
causa do pecado. Quando o homem caiu, tanto ele como a natureza mudou. A
mente do homem chegou a entenebrecer-se de tal maneira, que não era
capaz de ver as coisas tal como eram; e a natureza se viu alterada como
parece deduzir-se da expressão: “produzirá também cardos e abrolhos” que
encontramos no livro de Gênesis (Gn 3:18). Contudo, ainda hoje a
natureza é um espelho em que se reflete a glória de Deus. Todavia, por
causa do pecado pode-se dizer que este espelho esteja deformado. Como é
sabido, um espelho torto reflete as coisas de uma forma grotesca e
diferente de como realmente são. Como pode o homem agora com sua mente
entenebrecida e numa natureza transtornada, descobrir a Deus de modo
correto, ou chegar a conhecer a sua verdadeira natureza e propósito de
sua existência? Estas se tornam as três perguntas fundamentais que o
calvinista terá presente em sua cosmovisão.
Sob tais condições como pode o homem obter uma concepção adequada da
realidade? A única solução seria se Deus desse outro livro: a Bíblia. Na
Bíblia Deus revela ao homem de uma maneira clara e infalível a verdade
sobre estes problemas, iluminando ao mesmo tempo com a luz do Espírito
Santo a sua mente entenebrecida para que seja capaz de compreender as
verdades bíblicas. Assim, podemos ver a relação que existe entre a
Bíblia e o livro da natureza. A Bíblia não está no mesmo nível da
natureza como revelação de Deus, senão que é um corretivo das ideias
deformadas que possa dar-nos a natureza em seu estado decaído.
Apresenta-nos uma revelação sobre Deus e o universo que a natureza não
pode proporcionar de maneira adequada. Como disse Calvino, devemos olhar
para a natureza através das lentes da Bíblia. Assim, pois, ainda que
duas sejam as revelações que Deus deu as suas criaturas, a Bíblia
constitui a máxima autoridade para uma cosmovisão. O cristão para
interpretar corretamente a natureza e o mundo circundante necessita do
enfoque bíblico.
Todavia, a Bíblia é mais do que um mero intérprete da natureza, já que
ela contém uma revelação especial para a salvação do pecador. Esta
informação tão importante não pode vir da natureza pela simples razão de
que a natureza foi criada antes que se abrisse um caminho de salvação
aos pecadores. Assim, como poderia a natureza informar-nos sobre isto?
Contudo, ainda que a salvação do homem é na realidade o tema central da
Bíblia, esta revelação está estreitamente vinculada a visão geral do
universo e da vida humana.
Interpretaríamos mal o propósito da Bíblia se crêssemos que se trata de
um mero livro de texto sobre diferentes conhecimentos. Não se trata
disto. O estudante nos diferentes campos de investigação – natureza,
história, psicologia, etc. – acumula evidência. Quando procede a
interpretação ou de organizar esta evidência e a relacionar as verdades
de alguma ciência em particular numa estrutura geral de conhecimentos,
necessitará de interpretação unificadora das Escrituras. Não podemos ter
uma concepção correta de Deus, do universo, do homem, ou da história
sem a Bíblia.
Consequentemente, este livro além de mostrar-nos o caminho da salvação
nos proporciona aqueles princípios que condicionarão toda a nossa vida,
incluindo os nossos pensamentos e a nossa conduta moral. Não somente a
ciência e a arte, senão que também a nossa vida familiar, os nossos
negócios, os nossos problemas políticos e sociais devem estar
processados e estruturados à luz e direção das verdades da Escritura.
Isto é assim, inclusive na filosofia. Pode-se supor que pelo fato da
filosofia ser a ciência dos princípios, então que a filosofia cristã em
última instância terá que fundamentar-se na razão e, tratará de todos os
problemas da filosofia sobre uma base puramente racionalista,
desprezando a Bíblia como autoridade final. Mas ainda aqui o calvinista
não fundamenta a sua aceitação das verdades bíblicas em sua filosofia,
pelo contrário, inicia com as verdades básicas da Bíblia para
fundamentar a filosofia. A sua filosofia se fundamenta especificamente
sobre a revelação. Da mesma maneira que todos os sistemas filosóficos
partem de pressuposições básicas não provadas – hipóteses – assim, o
cristão parte das verdades da revelação como pressupostos básicos. O
proceder do calvinista não consiste em fundamentar a Bíblia na
filosofia, senão que estrutura a sua filosofia cristã sobre a Bíblia.
Os princípios de fé e conduta que a Bíblia contém, do mesmo modo que as
verdades do caminho da salvação surgem dentro de um contexto histórico
vinculado aos acontecimentos dos homens e das nações. Consequentemente
não se pode esperar que tudo o que a Bíblia ensina tenha o mesmo valor, e
possa ser considerado como norma da vida para nossa conduta. Ela
menciona alguns atos que na realidade são totalmente contrários a uma
norma da vida padrão como, por exemplo, quando Absalão traiu de forma
vergonhosa a seu pai Davi. Outras porções da Escritura contêm normas que
não são para todas as épocas, senão que uma vigência específica num
período ou ocasião determinada. Assim, Calvino nota que várias das leis
civis de Moisés não eram para o nosso tempo, senão que encerram uma
significação meramente transitória. Contudo, a Bíblia nos apresenta
diretrizes básicas, ou princípios eternos à luz dos quais julga os atos
históricos que contém, e nos insta a que também moldemos as nossas
vidas. Estes princípios eternos se encontram não somente no Novo como
também no Antigo Testamento.
Extraído de H. Henry Meeter, La Iglesia y el Estado (Grand Rapids, TELL, 1963), pp. 27-30.
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