1. NO ANTIGO TESTAMENTO.
Na Escritura, a qualidade da santidade aplica-se primeira¬mente a
Deus, e, aplicada a ele, sua idéia fundamental é a de inacessibilidade.
Esta se baseia no fato de que Deus é divino e, portanto, absolutamente
distinto das criaturas. Neste sentido, a santidade não é apenas um
atributo em coordenação com os demais em Deus. Ele é santo em sua graça
bem como em sua justiça, em seu amor bem como em sua ira. Estritamente
falando, a santidade só vem a ser um atributo no sentido ético
posterior da palavra. O sentido ético do termo desenvolveu-se do
sentido de majestade.
Este
desenvolvimento parte da idéia de que um ser pecador está mais
agudamente cônscio da majestade de Deus, do que um ser sem pecado. O
pecador fica ciente da sua impureza quando esta é contrastada com a
majestosa pureza de Deus, cf. Is 6. Otto fala da santidade no sentido
original, como numinosa, e se propõe denominar a reação típica a isto
"sentimento de criaturidade, ou consciência de ser criatura", uma
desvalorização do ego, reduzindo-o à nulidade, ao passo que fala da
reação à santidade no sentido ético derivado como um "sentimento de
profanidade". Assim é que se desenvolve a idéia da santidade como pureza
majestosa ou sublimidade ética. Esta pureza é um princípio ativo em
Deus, que necessariamente se afirma a si próprio e defende a sua honra.
Isto explica o fato de que a santidade é apresentada na Escritura
também como a luz da glória divina transformada num fogo devorador, Is
5.24; 10.17; 33.14,15.
Em
contraste com a santidade de Deus, o homem se sente não meramente
insignificante, mas positivamente impuro e pecaminoso, e, como tal, como
objeto da ira de Deus. Deus revelou no Antigo Testamento a sua
santidade de várias maneiras. Ele o fez com terríveis juízos sobre os
inimigos de Israel, Ex 15.11,12. Também o fez separando para si um povo,
que ele retirou do mundo, Êx 19.4-6; Ez 20.39-44. Tomando e retirando
este povo do mundo impuro e ímpio, ele protestou contra esse mundo e
seu pecado. Além disso, ele o fez repetidamente, poupando o seu povo
infiel, porque não queria que o mundo não santo se regozijasse com
aquilo que poderia considerar fracasso em sua obra, Os 11.9.
Num
sentido derivado, a idéia de santidade também é aplicada a coisas e
pessoas que são colocadas numa relação especial com Deus. A terra de
Canaã, a cidade de Jerusalém, o monte-templo, o tabernáculo e o templo,
os sábados e as festas solenes de Israel - todas estas coisas são
chamadas santas, visto serem consagradas a Deus e introduzidas no
resplendor da sua augusta santidade. Similarmente, os profetas, os
levitas e os sacerdotes são chamados santos na qualidade de pessoas que
foram separadas para o serviço especial do Senhor. Israel tinha os seus
lugares sagrados, as suas épocas sagradas, os seus ritos sagrados e as
suas pessoas sagradas. Contudo, esta ainda não é a idéia ética da
santidade. Uma pessoa podia ser sagrada e, todavia, estar inteiramente
vazia da graça de Deus em seu coração. Na antiga dispensação, como
também na nova, a santidade ética resulta da influência renovadora e
santificante do Espírito Santo. Deve-se lembrar, porém, que mesmo quando
a concepção de santidade é completamente espiritualizada, sempre
expressa uma relação. Nunca a idéia de santidade é a de bondade moral,
considerada em si mesma, mas sempre é a idéia de bondade ética vista em
relação com Deus.
2. NO NOVO TESTAMENTO.
Ao passarmos do Antigo Testamento para o Novo, damo-nos conta de uma
notável diferença. Enquanto no Antigo Testamento não há nem um só
atributo de Deus que sequer lembre alguma semelhança com a proeminência
dada a sua santidade, no Novo Testamento raramente se atribui santidade
a Deus. Exceto nalgumas citações do Antigo Testamento, somente nos
escritos de João a santidade é atribuída a Deus, Jo 17.11; lJo 2.20; Ap
6.10. Com toda a probabilidade, a explicação para isso está no fato de
que a santidade, no Novo Testamento, projeta-se como a característica
especial do Espírito Santo, por quem os crentes são santificados, são
qualificados para o serviço e são conduzidos ao seu destino eterno, 2Ts
2.13; Tt 3.5.
A palavra hagios
é empregada em conexão com o Espírito de Deus cerca de cem vezes.
Contudo, a concepção de santidade e de santificação no Novo Testamento
não é diferente da que se vê no Antigo Testamento. Tanto naquele como
neste a santidade, num sentido derivado, é atribuída ao homem. Num e no
outro a santidade ética não é mera retidão moral, e nunca a
santificação é mero melhoramento moral. Há confusão destas duas coisas
atualmente, quando falam em salvação pelo caráter. Um homem pode
gabar-se de um grande melhoramento moral, e, todavia, não ter nenhuma
experiência da santificação. A Bíblia não insiste no progresso moral
puro e simples, mas no progresso moral em relação com Deus, em atenção a
Deus e com vistas ao serviço de Deus. Ela insiste na santificação.
Justamente neste ponto, muita pregação ética dos dias atuais é
completamente enganosa; e o corretivo para isto está na apresentação da
verdadeira doutrina da santificação. Pode-se definir a santificação
como a graciosa e contínua operação do Espírito Santo pela qual ele
liberta o pecador justificado da corrupção do pecado, renova toda a sua
natureza à imagem de Deus, e o capacita a praticar boas obras.
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